21 de junho de 2015

Mudanças.

  
 Os gritos angustiados da minha mãe se espalhavam pela casa. As paredes finas possibilitavam escutar as surras que meu pai dava nela. A voz embriagada dele produziam palavras horríveis. Há muito tempo eu ouço essas coisas todas as noites. Era doloroso demais ver minha mãe machucada daquele jeito, tanto fisicamente quanto emocionalmente, todas as manhãs. Meu pai nos fazia de escravas. Minha mãe sempre estava largada inconsciente em algum canto da casa. Meu pai ordenava que ela ficasse nua para satisfazer o seu prazer. Uma vez ou outra eu sempre adquiria um hematoma devido aos meus esforços de ajudá-la. Foi em uma segunda em que as coisas mudaram:
- Venha cá, sua puta. - meu pai gritou da sala. Ele estava mais bêbado do que o de costume. - Estou afim de fodê-la.
 Minha mãe se arrastou em sua direção. Seu corpo demonstrava dor e exaustão. Saí da sala com o estômago embrulhado. Era asqueroso demais a forma como ele a tratava.  Do quintal, eu conseguia escutar o choro da minha mãe. Meu peito latejava angustiado por não ajudá-la. Escalei uma árvore que ficava ao lado da janela do meu quarto e entrei nele. Peguei uma mochila e coloquei todas as minhas roupas, todo o dinheiro que eu havia guardado durante esses anos e algumas roupas da minha mãe. Voltei a árvore e me agarrei a ela até aterrizar no chão, dando de cara com Arthur.
- Oi. - disse dando um selinho em seus lábios. - É bom te ver. 
- Você está bem? - perguntou colocando uma mecha do meu cabelo castanho escuro atrás da minha orelha. - As coisas vão dar certo. 
  Assenti e subi na garupa da sua moto. Fomos em alta velocidade até chegarmos ao seu apartamento. Quando chegamos, cumprimentamos o seu porteiro, Rogério, e subimos até o seu andar. O seu apartamento já estava pronto para essa noite. Em dos quartos, se encontrava uma cama de solteiro para minha mãe. Depositei suas coisas em cima da cama e coloquei a mochila no quarto de Arthur, Comemos e esperamos até ao anoitecer. Quando deu a hora certa, partimos de volta para a minha casa. Assim que chegamos lá, os gritos embaralhados do meu pai ecoavam pelo lugar. Entramos pela porta dos fundos o mais silenciosamente possível. Andamos até a sala e encontramos meu pai desacordado em sua própria poça de vômito e minha mãe chorando ruidosamente ao lado da escada. 
- Mamãe... - sussurrei. - Vamos embora daqui.
- Eu não posso, Sophie. Não posso. - respondeu chorando.
- E por que não?
- Ele irá nos matar. Não posso deixar algo de ruim lhe acontecer. 
- Mãe, temos que ir. Protegeremos uns aos outros. Só eu, você e o Arthur. Nada de mau irá acontecer. Eu prometo.
- Jura? - perguntou limpando as lágrimas. 
- Eu juro.
Nos levantamos e fomos embora daquela casa que nos trazia tantos medos. Ao chegar a casa de Arthur, ele preferiu nos deixar sozinha a sós um pouco. Ele se despediu depositando um beijo carinhoso em minha testa e um afago na cabeça da minha mãe.
  Enquanto dava banho em minha mãe e lavava seus cabelos idênticos aos meus, eu desejava ter saído daquela anos antes. Porém, talvez essa minha decisão teria colocado tudo a perder.  Agradecia aos céus por ter conseguido colocar fim em tudo isso. Ou pelo menos, por enquanto.

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